Coordenaçãográfica: Priscila Lopes (2pix) e Rodrigo Linares
Ao ouvir o discosou, de Marcelo Camelo, talvez se pergunte a relação do poemavisual “sol”, de Rodrigo Linares, estampado na capa, com as 14 composições apresentadas. O poema é constituído apenaspelopronome “nós” estampado de cabeçaparabaixo, formando então o verboemprimeirapessoa “sou”.
Uma primeiraleiturapossível do poema, considerando o contexto de uso, seria pensar no compositor participante de uma banda (Los Hermanos) e queagora apresenta seutrabalhosolo. Observa-se então o coletivo e o indivíduo. Essa é uma idéiamaisgeral, masplausível.
Uma segundaleitura, feitaapós a audição do disco, é que o poema parece sintetizar o sentidopresenteem muitas faixas: solidão e completude, o que se pode notaremváriosversos das letras: “euvocê e todos os encontroscasuais” (“Tudopassa”) ou “posso estarsómas sou de todomundo / poreusersóum” (“Docesolidão”) ouainda “caberá ao nossoamor o eternoou o não dá” (“Janta”).
Arrisco uma terceiraleitura do poema, autorizada pela complementaridade existente entre as duas palavras (o pronomemais o verbo): “sou/nós”. Essas palavras se desdobradas, ampliam o sentido do poema. O pronome de primeirapessoa está implícito no verbo sou: “eu sou”.Deste modo, o contrário faz sentido: o pronome “nós” completado entãocom o verbo flexionado: “nós somos”. Isso ressalta e reforça as leiturasanteriores de coletividade e individualidade, de solidão e completude.
Arriscaria ainda uma quarta e últimaleitura, porém desta vezme ocorre, porempréstimo, o que o disco de Marcelo Camelo dá ao poema de Rodrigo Linares: complementaridade amorosa. Jáque as 12 canções do disco falam de amor (masnãosomente) e se subentende o desejo da correspondência. Oumesmo a existência nessa complementaridade de cada uma das partes.
Além do que foi dito, a idéia da solidão e lamentopresentesnostextos se funde comessessentimentosque as melodias e arranjos das canções evocam. Mas há no discotambém duas faixas instrumentais, quesão as transcriçõesparapianosolo das canções “Saudade” e “Passeando”, executadas porClara Sverner. O timbre do piano acrescentou às peças de Marcelo Cameloumcarátermaisdolente, pela acentuada duração das notas e ressonânciacaracterísticas do instrumento.
Outroponto a salientar é o projetográfico do disco. Foi feita uma primeiraimpressãotipográfica do poema apresentado na capa, do índice da contracapa e das letras do encarte, usada comomatriz da impressãofinal. O resultado é uma mancha de textointencionalmente falhada e gasta. O alinhamento dos textosemcadapágina mantem a mesmaposição, ou seja, letra das músicas à esquerda e fichatécnica dos músicos à direita, mas se vêemcadapáginaumposicionamento deslocado e irregularemrelação às outras páginas, dando umaspecto despojado ao projeto.
Esseaspecto de despojamento que está no projetográfico, está presentetambém no conceitosonoro de todo o disco, que é uma espécie de ranhura, ruído, a começarpelavoz do compositor – emalgunsmomentosquasequenão se compreende o que se canta. Há no final de algumas faixas, intervençõesquesãofragmentos de sons de falas, aplausos, partes de música, ondas do mar, que no conjuntonãoapenas funcionam como reforçam e justificam o conceito de sujeira e rasura.
Cabe aindafalar das imagens fotográficas do projetográfico, que têm o mesmoaspectoaparentemente solto e simples: cavalos num campo de flores, cavalos numa montanha, outrocavaloquasenãovistopelafalta de luz e a imagem de árvorestambémcompoucaluz. Essas são as imagens do encarte.
Existem ainda as imagens da parteinterna da capa, que se abre. De umlado, uma mandala (que simboliza a totalidade e a essência) rodeada de flores. E no ladooposto, a reprodução da pintura de umgatopretosobreumchãovermelho e emfundoamarelo. Gatos dão umar de quenão têm muito a vercom o ambienteemque circulam. A imagem dos gatos sugere uma atençãodesatenta. E ainda uma certapreocupação despreocupada, que parece sintetizarmuitobem o conceito do álbum de Marcelo Camelo. Esseconjunto de coisas distintas fazem sentidoquando se pensa no todo. O despojamento está tãobemconstruído e o projeto (sonoro e visual) tão integrado, quenão há comodeixar de pensar na suaconcepção. Mas o resultado é muitofeliz, muitobom: uma organizada fluidez. Uma elegância despojada, discreta.
CLÁUDIO NUNES DE MORAIS, poeta e músico, licenciado em Letras (Português e Espanhol), autor dos livros de poemas “Quarteto” e “Arte menor” (vencedor do prêmio nacional de poesia MINC/Petrobras, edição 2012), tradutor de Valéry, Laforgue, Éluard e do “Dicionário abreviado do Surrealismo” (1986), colaborador de jornais e revistas de poesia e Literatura e integrante de antologias de poesia brasileira, Assessor Editorial do “Suplemento Literário MG” em 2007 e Redator do Gabinete da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, de 1982 a 1984.