23.12.09

Carta de Natal a Murilo Mendes


Guignard, 1930


Querido Murilo: será mesmo possível
Que você este ano não chegue no verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão

Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o cotidiano

Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido

Hoje escrevo porém para a Saudade
– Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com Claridade –

E o poema vai em vez desse postal
Em que eu nesta quadra respondia
– Escrito mesmo na margem do jornal
Na baixa – entre as compras de Natal

Para ligar o eterno a esse dia


Sophia de Mello Breyner Andresen
Lisboa, 22 de dezembro de 1975

20.12.09

Espírito de Natal 2

O bilhete abaixo está na caixa de comentários que compartilho com os leitores, mas faço questão de publicá-lo, pois trata-se de um complemento indispensável do post anterior:

"Outro amigo, não tão irônico e que além do mais se reduz ao anonimato, sem ter o que fazer vem aqui informar que catou na internet que as renas em português têm os nomes de Rodolfo, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão, Relâmpago. Outra informação substancial encontrada na internet diz que cientistas defendem se tratar de renas fêmeas (não averiguei se existe uma palavra própria para a rena macho). Se fato, nomes como Rodolfo e Cupido introduzem outras complicações. Em todo caso, bom natal, bom ano novo. Descanse um pouquinho. Abraços."

Em tempo, caro anônimo, obrigado e bom Natal!

17.12.09

Espírito de Natal

Um amigo muito querido e também muito irônico me mandou esta espirituosa mensagem natalina: "como o Natal está perto, o livro A miscelânea original de Schott, de Ben Schott, dá o nome de todas elas, as renas de Papai Noel, e tenho de dividir esse conhecimento nodal com você: Dasher, Dancer, Prancer, Vixen, Comet, Cupid, Donner (ou Donder), Blitzen & Rudolph".

O livro citado, editado pela Intrinseca, em 2005, com tradução de Cláudio Figueiredo, é uma coleção de trivialidades, como essa que lemos acima. Ben Schott é cientista político e fotógrafo, e tem o hábito de escrever para os amigos bilhetes com "pérolas incomuns". Desta maneira, Schott começou sua carreira de escritor. 



















5.12.09

Júlio Castañon lança _Do que ainda_


Júlio Castañon Guimarães e Manfredo de Souzanetto, mineiros radicados no Rio de Janeiro, lançam o livro Do que ainda, com poemas e gravuras, editado pela Contra Capa. O livro terá uma edição comum e outra especial, com gravuras assinadas por Souzanetto.


29.11.09

Grupo Ramo, desta vez no Rio de Janeiro


Já mencionei em duas postagens anteriores, mas vale a pena repetir, rever e ouvir: o Grupo Ramo (seguindo a ordem das fotos: Daniel Pantoja, flautas + Frederico Heliodoro, contrabaixo + Rafael Marini, piano + Antonio Loureiro, bateria + Felipe José, violoncelo) se apresenta, desta vez, no Rio de Janeiro, dentro do projeto Pauta Funarte de Música, edição 2009, para o lançamento de seu primeiro CD. Este show terá a participação do percussionista Sergio Krakowisky.  

27.11.09

GRAVELOVER'S
















"Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite". Amanhã tem GRAVELOVER’S = Graveola e o Lixo Polifônico + The Dead Lover’s Twisted Heart, na festa de encerramento do FORUMDOC.BH.2009. As informações estão no convite.

E relembrando que no post anterior seguem duas dicas para o domingo. Difícil escolha: tem o Senta a Pua!, com seus choros, maxixes e sambas. E também a primeira apresentação do Sonante 21, grupo que tem no repertório música clássica contemporânea. No programa, a estréia da peça "Poema para Zé Dantas, do paulistano Sílvio Ferraz. Infelizmente as apresentações serão no mesmo horário.

23.11.09

Grupo Ramo no Inimá de Paula


Divulguei aqui o show que o grupo fez no projeto Música de Domingo. E quem perdeu, poderá conferir a apresentação no teatro do Museu Inimá de Paula, amanhã, 20h, dentro do projeto No Inimá. O grupo, formado - seguindo a ordem da foto - por Antonio Loureiro (bateria), Felipe José (violoncelo, violão e flauta), Daniel Pantoja (flautas), Rafael Martini (piano e violão) e Fredrerico Heliodoro (contrabaixo). O Ramo gravou este ano o primeiro CD, com um repertório instrumental composto por seus integrantes. Mas certamente o show terá um roteiro um pouco diferente do show anterior, pois o quinteto terá a participação especial do compositor e guitarrista João Antunes.

22.11.09

Rosário dos Pretos

Ainda movido pelo Dia da Consciência Negra e pela canção "Zumbi", de Jorge Ben Jor, que ao reouvir e transcrevê-la aqui, lembrei-me de um poema que o amigo Júlio Castañon Guimarães escreveu sobre a Capela que pertenceu à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, na Antiga Vila de São José d'el Rei, hoje Tiradentes. O poema "Rosário dos Pretos" está na primeira parte do livro Inscrições (1992), composta de 14 poemas inspirados na antiga vila.



Rosário dos Pretos

à flor da pele
a marca que expõe
o ornamento que exclui

não são áureas nesta igreja
as glórias ao Senhor
nem amplos os espaços
para os desabrigados do século

para a imposição do temor
não há dois púlpitos
como no templo dos senhores
embora as flores da oratória

à cor da pele
empresta-se a derrota, que arde
impede-se o ardor, que aflora

20.11.09

Zumbi


Comemora-se, no dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi (1655-1695), o Dia da Consciência Negra. Zumbi, símbolo de resistência, foi o último líder do Quilombo dos Palmares, comunidade formada por escravos que fugiam das fazendas e senzalas. O Quilombo dos Palmares chegou a ter vinte mil habitantes e uma extensão territorial aproximada ao tamanho de Portugal, localizava-se onde hoje é o estado de Alagoas.

Segue abaixo letra de uma canção de Jorge Ben Jor, que faz parte do disco A tábua de esmeralda (1972). Ben Jor talvez tenha sido o primeiro compositor brasileiro a tematizar a negritude:

Zumbi

Angola Congo Benguela
Monjolo Cabinda Mina
Quiloa Rebolo

Aqui onde estão os homens
Há um grande leilão
Dizem que nele há
Uma princesa à venda
Que veio junto com seus súditos
Acorrentados num carro de boi

Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver

Angola Congo Benguela
Monjolo Cabinda Mina
Quiloa Rebolo

Aqui onde estão os homens
De um lado cana-de-açúcar
Do outro lado o cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do algodão branco
Sendo colhidos por mãos negras

Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver

Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Zumbi é senhor das guerras
É senhor das demandas
Quando Zumbi chega
É Zumbi é quem manda

Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver


Negro é lindo (Phlips), 1971
Capa: Aldo Luiz
Foto: Wilney

18.11.09

Guinga de volta a BH

O compositor Guinga está de volta a Belo Horizonte para duas apresentações solo (voz e violão), que ocorrerão no Mezanino da Travessa, dentro do projeto "Gerais Music Session", nesta quinta e sexta-feira, 19 e 20 de novembro.



Transcrevo duas frases que, de algum modo, traduzem o que Guinga representa para a nossa música: "Qualquer um que se interesse por música brasileira vai passar por Guinga. O pessoal jovem presta mais atenção nele do que a minha geração. Ele é um formador de opinião", por ninguém mais, ninguém menos que Chico Buarque. Essa frase é muito significativa e vai no ponto - a novidade que a música de Guinga traz. E a segunda frase, sutil, dita também por outro grande músico, o espanhol Paco de Lucia, que vem de uma tradição bastante diferente da nossa, o flamenco, toca-me de maneira especial: "Tive vontade de trocar meu universo pelo dele".

15.11.09

Bazar no THE J


Muito coisa bacana na Festa Mercado, que é o bazar que aconteceu (no último domingo) no The J, salão do Jefferson. Na foto acima, Suzzy Chiu e Ivana Chiu, da marca Cherry Up!! - http://cherryup-acessorios.blogspot.com -, de acessórios. Seguem abaixo mais duas fotos, a primeira, com a rapaziada da marca Leo Coelho ao lado do Ronaldo, da Ouwist. Na última foto, está a Malu (assentada), da Balaio de Gato. E vale lembrar que no espaço Balaio de Gato - www.obalaiodegato.com.br -, que fica no Funcionários, além de loja, há também a cantina, com um cardápio saboroso. Entre as peças que vi, ouvi a gravação que Björk fez para "Travessia", de Milton Nascimento e Fernando Brant. Quem não conhecia, ficou chocado (no melhor sentido do espanto). Havia mais gente bacana expondo: Me Gusta, Bolsas Theodora, Penduricalho, Cabra Cega, Cleo Atelier, Ninho, ISSO, ODD + Cupcake OFF, Paula Peres, Dj Daniel D, Marcelo THE J e mais surpresas. Quando estava de saída, quem chegava para uma apresentação era a acordeonista Sarah Assis. O dia prometia.


Festa Mercado no The J

12.11.09

Grupo Ramo no Música de Domingo


Com a reforma do Teatro Francisco Nunes, o projeto Música de Domingo foi transferido para o Teatro Marília. E neste domingo, apresentará o Grupo Ramo, com repertório de peças instrumentais que compõem o primeiro CD "Ramo" (2009). O grupo é formado - seguindo a ordem da foto - por Antonio Loureiro (bateria), Felipe José (violoncelo, violão e flauta), Daniel Pantoja (flautas), Rafael Martini (piano e violão) e Fredrerico Heliodoro (contrabaixo). O Ramo ganhou o prêmio Pixinguinha (Funarte), que possibilitou a gravação do disco, e quem quiser, pode conferir um pouco do som no www.myspace.com/gruporamo.

8.11.09

Lançamento: 99 poemas de Joan Brossa


Aqui vai uma dica - em cima da hora - para quem estiver em São Paulo. Será lançado, amanhã, o livro 99 poemas, de Joan Brossa (1919-1998), poeta e designer gráfico catalão. A publicação é um antologia organizada por Ronald Polito, que vem traduzindo autores catalães do século XX, como Joan Ferraté, Jaime Gil de Biedma, Carles Camps Mundó e Maria-Mercè Marçal. Estes autores tiveram publicações fora de comércio editadas pelo próprio tradutor. Ronald criou o selo Espectro Editorial, em 2004, que tem publicado não apenas traduções, mas autores brasileiros como Armando Freitas Filho e Júlio Castañon Guimarães, e também autores inéditos, entre os quais tive a honra de estar. Ronald é responsável por duas traduções anteriores de Brossa no Brasil: Poemas civis (RJ: Sette Letras, 1998), em parceria com Sérgio Alcides, e Sumário astral (SP: edição de Fábio Weintraub e Tarso de Melo, 2003). O convite acima, tem como detalhe uma ilustração de Guto Lacaz.

6.5.09

Uma imagem, um poema


Vieira da Silva, Luz, 1978, óleo sobre tela, 97 x 130 cm.


Tudo o que queres
a densidade
a duração
o equilíbrio

como se de ti dependesse
como se as coisas esperassem
a luz da tua sombra


ROSA, António Ramos. A intacta ferida. Lisboa: Relógio d'Água, 1991.

27.4.09

Questão de conceito (sobre Marcelo Camelo)

À Nina



sou (Sony/BMG, 2008), de Marcelo Camelo

Coordenação gráfica: Priscila Lopes (2pix) e Rodrigo Linares


Ao ouvir o disco sou, de Marcelo Camelo, talvez se pergunte a relação do poema visualsol”, de Rodrigo Linares, estampado na capa, com as 14 composições apresentadas. O poema é constituído apenas pelo pronomenós” estampado de cabeça para baixo, formando então o verbo em primeira pessoa “sou”.


Uma primeira leitura possível do poema, considerando o contexto de uso, seria pensar no compositor participante de uma banda (Los Hermanos) e que agora apresenta seu trabalho solo. Observa-se então o coletivo e o indivíduo. Essa é uma idéia mais geral, mas plausível.


Uma segunda leitura, feita após a audição do disco, é que o poema parece sintetizar o sentido presente em muitas faixas: solidão e completude, o que se pode notar em vários versos das letras: “eu você e todos os encontros casuais” (“Tudo passa”) ou “posso estar mas sou de todo mundo / por eu ser um” (“Doce solidão”) ou ainda “caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá” (“Janta”).


Arrisco uma terceira leitura do poema, autorizada pela complementaridade existente entre as duas palavras (o pronome mais o verbo): “sou/nós”. Essas palavras se desdobradas, ampliam o sentido do poema. O pronome de primeira pessoa está implícito no verbo sou: “eu sou”. Deste modo, o contrário faz sentido: o pronomenós” completado então com o verbo flexionado: “nós somos”. Isso ressalta e reforça as leituras anteriores de coletividade e individualidade, de solidão e completude.


Arriscaria ainda uma quarta e última leitura, porém desta vez me ocorre, por empréstimo, o que o disco de Marcelo Camelo dá ao poema de Rodrigo Linares: complementaridade amorosa. que as 12 canções do disco falam de amor (mas não somente) e se subentende o desejo da correspondência. Ou mesmo a existência nessa complementaridade de cada uma das partes.


Além do que foi dito, a idéia da solidão e lamento presentes nos textos se funde com esses sentimentos que as melodias e arranjos das canções evocam. Mas há no disco também duas faixas instrumentais, que são as transcrições para piano solo das cançõesSaudade” e “Passeando”, executadas por Clara Sverner. O timbre do piano acrescentou às peças de Marcelo Camelo um caráter mais dolente, pela acentuada duração das notas e ressonância características do instrumento.


Outro ponto a salientar é o projeto gráfico do disco. Foi feita uma primeira impressão tipográfica do poema apresentado na capa, do índice da contracapa e das letras do encarte, usada como matriz da impressão final. O resultado é uma mancha de texto intencionalmente falhada e gasta. O alinhamento dos textos em cada página mantem a mesma posição, ou seja, letra das músicas à esquerda e ficha técnica dos músicos à direita, mas se em cada página um posicionamento deslocado e irregular em relação às outras páginas, dando um aspecto despojado ao projeto.


Esse aspecto de despojamento que está no projeto gráfico, está presente também no conceito sonoro de todo o disco, que é uma espécie de ranhura, ruído, a começar pela voz do compositorem alguns momentos quase que não se compreende o que se canta. Há no final de algumas faixas, intervenções que são fragmentos de sons de falas, aplausos, partes de música, ondas do mar, que no conjunto não apenas funcionam como reforçam e justificam o conceito de sujeira e rasura.


Cabe ainda falar das imagens fotográficas do projeto gráfico, que têm o mesmo aspecto aparentemente solto e simples: cavalos num campo de flores, cavalos numa montanha, outro cavalo quase não visto pela falta de luz e a imagem de árvores também com pouca luz. Essas são as imagens do encarte.


Existem ainda as imagens da parte interna da capa, que se abre. De um lado, uma mandala (que simboliza a totalidade e a essência) rodeada de flores. E no lado oposto, a reprodução da pintura de um gato preto sobre um chão vermelho e em fundo amarelo. Gatos dão um ar de que não têm muito a ver com o ambiente em que circulam. A imagem dos gatos sugere uma atenção desatenta. E ainda uma certa preocupação despreocupada, que parece sintetizar muito bem o conceito do álbum de Marcelo Camelo. Esse conjunto de coisas distintas fazem sentido quando se pensa no todo. O despojamento está tão bem construído e o projeto (sonoro e visual) tão integrado, que nãocomo deixar de pensar na sua concepção. Mas o resultado é muito feliz, muito bom: uma organizada fluidez. Uma elegância despojada, discreta.